sábado, 17 de setembro de 2011

Sobre amizade, veneno e saudade...



Há um ano de distância de um dos dias mais difíceis até então em minha vida, me permito refletir sobre o amor... Não falo aqui do amor carnal ou transcedental entre dois amantes nem mesmo do amor que as mães nutrem por seu filhos... falo de um amor que vai além disto... E peço que não se ofendam com minha comparação ... estou falando do amor a meu melhor amigo de quatro patas... Um amor travado de olhar a olhar, de coração a coração...
Um amor fofo e peludo que há um ano atrás saiu de cena deste mundo e foi morar no canto mais bonito de meu coração. Onde tenho uma gigantesca duna de fofas areias brancas. E volta e meia, sem vergonha alguma rolamos horas a fio nela. Esteja ela iluminada pelo dourado do pôr do sol de minhas alegrias, ou pelo brilho prateado e azulado da lua cheia de minhas angústias. Lá vivemos sempre serenos, e alegres...e nosso sono é tranquilo... E não importa se faz frio ou calor, se chove ou se faz sol... Quando nos cansamos de brincar, eu sigo a repetir o gesto de comando, avisando que basta, é hora de entrar, hora de acomodar-se na caminha de nome coração, onde me permito guardá-lo confortavelmente, como ele tantas vezes guardou meu portão. E não pensem que é fácil, ele segue a resistir, vira-se de barriga e com sua pata gorda e peluda faz um gesto que segue a carimbar meu ego, acariciar minha alma. Só então em seu rebolado é que recolhe-se.
Eu permito –me conter o rio que quer a todo custo rebentar através de meus olhos e sendo assim me permito pensar nas coisas que aprendi com ele. E humildemente a pedir-lhe perdão por meus humanos erros, e pelas duas vezes que brigamos.
Uma foi no dia que ele fez xixi no pé de minha escrivaninha e que eu (dês) humanamente o xinguei. E ele tremendo me disse, com seus olhos de bola de gude, que eu estava exagerando... Afinal a humana nesta história era eu. A outra foi pelas vezes frustradas que tentei lhe colocar coleira e guia...
E ele a pulos de pipoca, resistiu bravamente, ficando dois dias sem me dirigir a palavra de seu olhar e a fugir de mim pelos cantos, até que num misto de rosnado e choro me falou...

“Olha, eu ando comportado ao seu lado ou no seu colo e respondo a todos os seus comandos. Sempre deixo você me pentear, mas não vou ser um cachorrinho feito estes de madame que anda de coleirinha pela cidade.”

Ok ! Aceitei sua solicitação. E desisti da idéia de lhe colocar guia e sempre ele se portou muito bem . Exceto a vez que se pôs a latir incessante para a foto de um cara numa propaganda de telefonia...

“Poxa o cara é feio demais..., como é que vocês suportam andar pela cidade e ver este tipo de coisa?”
Ele tinha razão...

“Ah Gordo, o mundo é assim, isto chama-se poluição visual ...”

“Mas o mundo não precisa ser feio assim ...”

Ele tinha razão e sempre que lembro de seu latidos ou de sua resistência a guia, penso que devo resistir as amarras que este mundo a toda hora propõe. As amarras de uma sociedade que vive a pregar uma falsa moral e que quer sim a todo momento prender nos, encoleirar nos...
Quando me sinto sufocada é nele que penso...

“Nada de coleiras, Ok? Podemos andar lado a lado sem estarmos presos e amarrados...”

E vejo que isto é uma das coisas mais difíceis de entender, de se fazer pois nosso mundo é de limites, cercas, propriedades e tantos falsos valores em nome de uma efêmera segurança. Um mundo onde um cachorro precisa andar amarrado pela rua, mas que permite que os venenos das mais diversas espécies sejam vendidos nas prateleiras dos supermercados, como artigo crucial e necessário ao desenvolvimento e à resistência ao mundo animal no paraíso de nome civilização.
Onde latidos tornam-se incômodos, mas todo o tipo de lixo musical, com as mais torpes palavras , estupram diariamente nossos ouvidos sem o direito de fuga.
E pela lembrança de meu fofo anjo de 4 patas é que me permito deixar o grito que tenho trancado em minha garganta sair. Um grito contra toda forma de veneno. E agora não estou aqui falando dos venenos inseticidas, fertilizantes! Do veneno para matar capim, formiga barata, embora eles também caibam neste grito como num alerta. Falo antes de tudo do veneno do ser humano. O veneno de quem enche a boca para falar de respeito e de violência, e até do ato de um cachorro andar livre leve e solto e latir, mas não percebe o grito do animal diariamente em sua mesa. Que fala de paz, mas alimenta-se de um pedaço de morte.
Do veneno da inveja, do poder. Falo do veneno que cada vez faz com que mais pessoas almejem ser superiores...O veneno do ciúme, da mentira, do ódio, da ganância, da luxúria...E outros tantos que habitam nossos cotidianos sem nem ao menos nos darmos conta...
Só quando entendermos que não somos nada, e que é neste nada que somos que habita o tudo que precisamos nesta humana vida desumana é que vamos entender. Talvez no dia que tivermos palestras sobre “A doçura do ser humano” ao invés de palestras de Liderança e poder”.
Enquanto isto fico com a lembrança da audácia de meu gordo Gaspar que não hesitava em saltar em meu colo sem pedir licença, e acomodava-se de forma majestosa em minhas pernas como se eu fosse o trono de seu reinado. E o tenho em meus pensamentos como uma reserva, não ecológica, mas de sonhos. Que habita em meu íntimo, permitindo que eu resista a amargura cotidiana, e a ausência de poesia e atenção que sinto no desfile de vaidades de nossa realidade.
Não me permito esquecê-lo, assim como não me permito esquecer a tudo de belo que me faz vibrar a alma. E desejo sempre ser uma pessoa especial na vida daqueles que convivem comigo, como o foi meu peludo amigo em minha vida.
Para finalizar permito que saia de mim, através destas palavras, um uivo, um rosnado, um latido, um grito imensurável, como o tamanho de minha saudade, e com a força suficiente para enfrentar os inevitáveis venenos da vida.



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