quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Pandorga




Esta semana estava pensando na vida, pensei de lá, pensei de cá... e quando vi pensava na família.
O pensamento é uma coisa louca ...
Eu parada à toa ...
e em questão de segundos já havia viajado no espaço e no tempo...
e veio a figura do Einstein...
por uma razão lógica...relativa...
E com a lembrança do Einstein...
a da matemática,
e a de meu pai...

Vieram as noites em claro para me safar nas provas e na recuperação
(de matemática).
Sem mais nem menos lembrei dum cartão de dia dos pais que fiz
(acho que na 4ª série).
Era em cartolina amarela, tinha uma pipa colada!!!
É possível que me tenha deixado contaminar inconscientemente pela mídia dos dias dos pais e pelo foto da imagem impressa na capa do livro que estou lendo no momento:
“O Caçador de pipas”.

O cartão que fiz tinha um pedaço de lã como rabiola. O restante era para ser completado por cada aluno. Não esqueço que fui completar a pipa ao meu modo e repreendida pela professora que queria padronizar nosso presente moldando nossa expressão de acordo com a idéia de pipa, arte e pai que ela tinha.
Ao se aproximar de minha carteira. Lembro que ela falou que eu tinha que pintar de um determinado jeito.
Eu que já era metida a artista, não gostei!
E como era costume meu, à época, fiquei calada.
Quando ela retornou disse:
“Eu já te falei que tem que pintar aqui, assim não está vendo? Tem que ser como o modelo...”

Achei um desaforo ela intrometer-se na minha pipa, do cartão que eu e estava fazendo para o meu pai, que ela por sinal nem conhecia.
Parei por um instante.
Contive o choro.
Tomei coragem.
Respirei curto e forte.
Expirei.
Tomei coragem de novo e levantando apenas os olhos lhe respondi:

“Estou pintando assim por que o MEU pai gosta, desta COR. E por que são assim as pipas que ele faz para mim e para meus irmãos...e por que eu sei que ele vai gostar muito mais do jeito do meu desenho do que do modelo.”

Baixei meu olhar, e segui pintando a pipa apertando ainda mais o lápis na cartolina amarela... Do meu jeito!
Lembro que meu pai ao receber o cartão falou que estava bonito e atentou justamente para o detalhe de meu desenho que a professora queria retirar.
Salientou exatamente as cores fortes que ela queria suprimir.

Muitos, mas muitos anos depois, numa arrumação no apartamento de meu pai encontrei o cartão...ele ainda o tinha guardado usava como marcador de livro...que eu recoloquei cuidadosamente na mesma página.

Há dois dias de mais um dia dos pais recordei este fato meio sem saber por que...
e pensei que será mais um dia dos pais que estarei fisicamente longe dele...
embora este negócio de distância seja relativo...
as infinitas propagandas da TV por uma fração de segundos fizeram que eu sentisse uma pontinha de culpa por não ter como lhe dar um daqueles magníficos aparatos eletrônicos mirabolantes, que nem Eistein sonhou.
Tentei lembrar que presentes eu já tinha lhe dado

Longa pausa ...

nada de TVs,

ou celulares,

nada de presentes feitos em série...
( nem a minha pipa seguia o modelo em série proposto pela professora. Mas mesmo assim ele a tinha guardado)

Lembrei do show do José Carreras nos Sete povos das missões...
da cruz missioneira,
das luzes, da música...
Acho que além do cartão com a pipa, o show do José Carreras tinha sido um dos únicos presentes que havia lhe dado.

Como se o mundo tivesse parado e eu nada mais tivesse o que fazer me pus a comparar os dois...
o show e o cartão pipa.
Depois de muito raciocinar, conduzir meus pensamentos da matemática à física quântica, deparei- me com a minha arte lógica emocional. E foi justamente este o ponto de encontro entre as duas linhas que se cruzavam
(e cuja fórmula matemática não lembro mais).
O Ponto?

A arte, que é sempre única ...

Seja ela uma ária cantada por um dos maiores tenores da terra
ou o desenho com tortas linhas de uma criança timidamente teimosa...

Tenho certeza que o momento do show, e toda a emoção nele sentida ficarão em sua memória podendo serem levadas para onde ele for.

Quanto ao meu singelo cartãozinho?!
Fica a energia,
a minha autenticidade,
o meu singular sentimento,
o meu amor incondicional de filha,
ficam as minhas linhas tortas...

Dizem os sábios
(e acho que meu pai até já disse isso um dia):

“Deus escreve certo por linhas tortas...”

E sei que mesmo distante, num ponto frio qualquer do universo, sem pernambucanas ou americanas, vislumbro uma meta como um dia o fez Colombo ...
Cada dia tenho mais certeza que ( a minha) felicidade,
não é um crediário das casas Bahia...
Agora dêem - me licença...
Tenho que caçar as minhas pipas,
e o vento não está brincadeira...
Além do cerol , invisível e afiado que surge discreto querendo cortar nossos sonhos,
há os inevitáveis machucados nos dedos e a todo instante surge um beco que parece não ter saída, com olhos ameaçadores,
clamando que te entregues...

O que possa dizer, seja ao meu pai, que enxergou a beleza da pipa colorida de meu desenho;
ou a quem algum dia ler estas mau traçadas linhas:

"Tenho sangue missioneiro,
muitas missões a serem levadas para além de sete povos...
E o coração de meu pai vai bater para sempre dentro do meu,
forte e intenso
como legüeros,
como platéia de infindáveis aplausos...
As vezes de forma desajeitada,
algum dia talvez em ruínas...
Mas sempre como ária inigualável.
Como pipa
no vento,
no ar
no papel
que pode voar,
que até pode cair,
ou se arrebentar...

Mas trará sempre a autenticidade de infantil desenho,
mesmo consumido pelo tempo,
não irá jamais
meu amor ou mesmo sonhos desbotar... "

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Ao meu pai

aos sonhos

as pipas

ao vento


a autenticidade...

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